Um RPG à frente do seu tempo
Nos anos 90, um RPG ousado quase desbancou o lendário Final Fantasy VII. Xenogears foi concebido como uma experiência profunda, filosófica e emocional — mas enfrentou uma produção caótica que quase afundou seu legado. Mesmo assim, tornou-se um clássico cult com uma das narrativas mais ousadas já vistas nos videogames.
A origem de Xenogears: entre genialidade e rejeição
O jogo nasceu da mente de Tetsuya Takahashi e Kaori Tanaka (também conhecida como Soraya Saga), veteranos da Square que queriam criar algo próprio, mais profundo e provocativo. A proposta original foi, na verdade, uma sugestão para Final Fantasy VII, mas foi considerada “sombria demais” pela direção da Square. Em vez de descartar a ideia, Hironobu Sakaguchi deu sinal verde para que o projeto se tornasse um novo jogo: assim nasceu Xenogears.
Desenvolver enquanto se aprende
Enquanto Final Fantasy VII recebia todos os holofotes e recursos, Xenogears era desenvolvido com um time inexperiente em 3D e um orçamento apertado. Foi como construir uma piscina enquanto se ensina alguém a nadar.
Mesmo assim, a direção criativa não reduziu a ambição. O jogo misturava cenários 3D com sprites 2D e trazia câmeras e enquadramentos cinematográficos que ajudavam a contar uma história carregada de simbolismo religioso, traumas psicológicos e temas de ficção científica.

Disc 2: quando tudo desmorona
A segunda metade do jogo escancara os limites da equipe. O cansaço, os prazos e a falta de apoio levaram a cortes drásticos. Em vez de jogar, o jogador passa a ouvir personagens narrando os eventos. Missões são encurtadas, dungeons são puladas, e lutas aparecem sem contexto. Ainda assim, a profundidade da narrativa consegue manter o interesse.
Temas ousados e complexos
Xenogears não se contenta em falar sobre o bem contra o mal. Ele mergulha em filosofia, psicologia e religião — de Freud a Jung, passando por teorias de Karen Horney e crenças gnósticas como a ideia do Demiurgo. A crítica não é à fé, mas às estruturas de poder e obediência cega.
O jogo também toca em temas como racismo, abuso infantil e desigualdade social, tudo dentro de um universo coeso, habitado por personagens marcantes.
Tradução heroica e trilha sonora inesquecível
A tradução ocidental ficou nas mãos de um único profissional: Richard Honeywood. Ele teve que lidar com um dos roteiros mais densos da Square, cheio de conceitos filosóficos e religiosos — uma tarefa que afugentou outros tradutores.
A trilha sonora, composta por Yasunori Mitsuda, trouxe alma ao jogo. Apesar da repetição de faixas, a emoção que sua música transmite elevou a narrativa a outro nível. Mitsuda chegou a adoecer por excesso de trabalho, mas seu esforço garantiu um dos legados musicais mais marcantes do PS1.
Sistema de combate inovador
O combate de Xenogears mistura turnos tradicionais com um sistema de combos que libera poderosos “deathblows” conforme o jogador experimenta combinações. Além disso, as batalhas em “gears” (mechas) introduzem o gerenciamento de combustível, exigindo planejamento e personalização dos equipamentos.
Apesar de algumas mecânicas pouco explicadas e dos desafios técnicos, o sistema oferece profundidade e recompensa os jogadores mais atentos.
Imperfeito, mas inesquecível
Sim, Xenogears é quebrado. A segunda metade decepciona em termos de ritmo e interatividade. Mas o que ele tenta dizer — sobre identidade, dor, fé e controle — permanece poderoso. É um jogo que ousou mais do que podia realizar, mas cuja ambição ainda ecoa.
Ele merece mais: uma remasterização, ou até um remake completo, com tempo e recursos adequados. Mas mesmo do jeito que é, continua sendo uma experiência singular.